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Mostrando postagens de junho, 2021

NO FORRO

                Eram barulhos ininterruptos vindo do forro da casa.                - Gabriel, é você?               O calmante  que tomo, misturado com bebida, às vezes afeta a memória.                Peguei a escada na garagem para abrir a tampa do forro. Havia muita sujeira, um antigo abajur de bronze maciço, uma caixa com luzes de natal, e bem lá no fundo, num canto escuro, grandes olhos de um negrume indescritível olhando dentro de mim.                Na pressa de fugir, me estatelei no chão e derrubei retratos que estavam na parede. Sentindo o perigo eminente que poderia vir atrás de mim, levantei o mais rápido que pude para a minha idade. Do lado de fora da casa, me perguntei: se aquilo não era o demônio, o que seria? E senti que aqueles olhos trevosos buscaram em mim sentimentos guardados nas memórias que pensei ter esquecido. E me afundaram nas dores da mais profunda melancolia, que nunca mais me deixaria em paz.               Quando erámos  crianças, vendo uma colheitadeira ex

A QUEDA

               Suicídio.                Sang-hun serve outro copo de água gelada e admira a queda de 32 andares até uma lixeira de ferro na calçada. Se vira para o IBM PC, nova aquisição do escritório, recém montado em cima da sua mesa.  Sistema operacional MS-DOS, processador Intel 8088, e 16kb de RAM.                A secretária entra descalça no pequeno escritório,  bem  q uando ele vai abrir a terceira gaveta. Ela é acostumada a entrar sem bater, porque Sang-hun  não sabe se impor ao sexo oposto. E ela tira vantagem não apenas dele, mas de todos os outros funcionários, por ser uma jovem atraente.                Sang-hun faz uma leitura muito superficial do primeiro anexo, enquanto Hee-jin fala. Depois liga o computador pela primeira vez desde que o técnico da empresa ensinou como funcionava. Percebe que não sabe mais fazer aquilo, depois de 12 anos na mesma função. Acaba se distraindo com os pés de Hee-jin, de unhas pintadas de azul-marinho, que destaca sua limpeza. Pensa que prova

AMOR

               Naquela estrada deserta, numa noite de inverno, não se encontra ser vivo, mas se tem a sensação de algo espreitando no escuro.                Ali o homem desce do ônibus. Os olhos quase fechados pelo vento frio. Expõe seu crucifixo, aperta o cachecol e segue uma trilha longa e quase invisível, até uma casinha de madeira.                Ele enxerga  uma luz através da janela. Pega a chave escondida debaixo da lata com água e guimbas de cigarro. Abre a porta, que tem o símbolo do anarquismo desenhado com tinta preta, e não encontra ninguém.                 O homem acende mais velas. Começa a retirar embrulhos da sacola e a desfazê-los. No primeiro deles, um belíssimo órgão humano. No segundo, um pacote de cigarros.                Quatro anos atrás, só  o que ele tinha era o vício em pornografia. E quando a conheceu pela internet, tudo aconteceu rápido. Das onomatopeias, indicando risadas nas mensagens de texto, passaram a sangue enviado pelo correio.               T inham