AMOR

            Naquela estrada deserta, numa noite de inverno, não se encontra ser vivo, mas se tem a sensação de algo espreitando no escuro.

            Ali o homem desce do ônibus. Os olhos quase fechados pelo vento frio. Expõe seu crucifixo, aperta o cachecol e segue uma trilha longa e quase invisível, até uma casinha de madeira. 

            Ele enxerga uma luz através da janela. Pega a chave escondida debaixo da lata com água e guimbas de cigarro. Abre a porta, que tem o símbolo do anarquismo desenhado com tinta preta, e não encontra ninguém. 

            O homem acende mais velas. Começa a retirar embrulhos da sacola e a desfazê-los. No primeiro deles, um belíssimo órgão humano. No segundo, um pacote de cigarros. 

            Quatro anos atrás, só o que ele tinha era o vício em pornografia. E quando a conheceu pela internet, tudo aconteceu rápido. Das onomatopeias, indicando risadas nas mensagens de texto, passaram a sangue enviado pelo correio.

            Tinham tanto em comum que não pôde deixá-la quando foi obrigada a se esconder. Agora entendia que havia um problema sério, porque se não se afastasse, um dia acabaria preso pela polícia, ou devorado por ela. 

            Não havia comido o dia inteiro e pegou o pedaço de queijo enrolado no fundo da mochila. Comeu aquele queijo seco, sentindo a casa mover-se como um barco, e o vento atravessar as frestas na parede. 

             Ele deitou ainda de botas e se cobriu com cobertores fedorentos, segurando uma faca militar na mão direita. A mão treme, mas não é só pelo frio. É pela lista de assassinatos que vem crescendo.

            Dormiu, ou pensou que dormiu. Não viu o dia nascer, nem ela chegar e deitar ao seu lado, debaixo das cobertas, mais quente do que nunca. Fumou seu cigarro favorito, com os lábios e o queixo sujos do sangue do coração que devorou por inteiro enquanto ele estava inconsciente.

            Ela o abraçou forte, cheirando a sangue e a cinzas de cigarro. Quando a noite termina, ela dorme... E ele chegou mais perto, pensando em ficar mais uma noite.