O POTE DE OURO

            Meu fim começou em um dia onde ventos fortes anunciavam uma tempestade.

            Estávamos reunidos em um relvado, que compunha bem o quadro para aquele duelo. Esperávamos por um cavaleiro pouco conhecido na época, chamado Fiore dei Liberi. Meu filho Massimo se aquecia com a espada. Era um homem muito alto, forte e viril, que sonhava em ser o melhor espadachim da Europa. 

            Enfim, Liberi chegou em uma carruagem guiada por um negro, junto da duquesa Maeve Ó Floinn. Devota da deusa romana Vesta, a duquesa era famosa por nunca ter sido tocada por nenhum homem vivo. Seu charme e beleza envolventes quase sempre desarmavam quem tentava evitá-la por medo do inferno, por ser famosa como bruxa. 

            Herdeira do conde de Domhnall, a duquesa vivia em um pequeno school com seus pais, o segurança espadachim e a criadagem. Embora existissem boatos, que logo vou explicar a origem, de que Liberi havia assassinado seus pais, a mando de Ó Floins, e dado seus restos mortais aos jacarés do pântano.

            A duquesa acompanhou todo o combate de cima da carruagem. Segundo Fiore dei Liberi, a ideia do duelo partiu dela, que ao conhecer Massimos, ficou tão encantada que resolveu dar a chance dele desposá-la se vencesse seu espadachim. Além de muito bonita, Maeve possuía um grande dote. Mesmo assim, ninguém além de Massimos jamais teve coragem de cortejá-la.

             Do lado oposto ao espectro de Massimos, Liberi era bastante magro e quase um anão. Uma característica marcante era sua cabeça grande, e o fato de estar quase sempre bêbado. Ele trouxe consigo uma taça escura com licor de limão, que ofereceu à todos antes de desembainhar a espada e se posicionar.

            Meu filho começou bem, marchando firme para cima do italiano, mas a defesa de Liberi era primorosa. Algo que nunca havíamos visto, ou esperaríamos daquele bêbado. Era um estilo novo de luta, totalmente adaptado ao seu tamanho. No entanto, meu filho se destacava visivelmente na velocidade. Tanto que era impossível manter os olhos nas espadas. Os belos movimentos de Massimos uniam agressividade e precisão.

            Mais tarde, de joelhos na escadaria de minha casa, aos pés de minha esposa aos prantos, entendi que Liberi contava com a velocidade de Massimos para executar seu brilhante movimento de afundamento, perfurando ambos os pulmões de meu filho com sua rapieira de guerra.

            Naquele instante, a duquesa soltou um grunhido, como se um roedor houvesse acabado de ser pego em uma armadilha mecânica na floresta. Virou seu rosto rapidamente, e imaginei que fosse para não vermos sua expressão de horror. Apesar da fisionomia, parecia se tratar uma mulher sensível.

            Caído nas turfeiras, Massimos me olhou de maneira inesquecível. Em seus últimos instantes de vida, quis deixar claro que eu havia mentido quando disse que ele seria o melhor espadachim da Europa. Depois de morto, seu corpo foi arrastado pelo negro. Como combinado, ficaram com o corpo de meu filho. Qual o motivo de quererem o cadáver de Massimos, nunca havia entendido e nem me preocupava. Foi um pedido ridículo aquele, mas para mim e meu filho, a vitória era certa. Só depois me dei conta o que havia acontecido. Estavam em posse do corpo do meu único filho, e eu precisava sepultar ele.

           Me sentindo injustiçado e entendo como era descabido aquele desejo de ficar com o cadáver, parti em meu cavalo, no meio daquela noite de tempestade, até a residência de Domhnall, que ficava a beira do pântano e não era assim tão longe. Iluminei o caminho com a lanterna, e ensopado da chuva, esmurrei a poderosa porta quando cheguei. Não houve resposta, mas como não estava ali para desistir fácil, dei a volta por toda a construção, tentando encontrar uma resposta.

            Do terceiro andar, no lado oeste da residência, vi três grandes janelas por de onde escapava uma luz forte e amarelada. Me apoiando nas pedras e na cerca viva, que cobria boa parte daquela parede, fui aos poucos subindo até uma das janelas, deixando o cavalo amarrado com a lanterna lá embaixo. A tempestade estava ganhando força, mas felizmente naquele lado do prédio eu estava protegido dos ventos fortes.

            Daquela janela, que apesar de parcialmente coberta por uma longa cortina carmesim, permitia ver todo o cômodo, consegui ver todos na mesa de jantar: Fiore dei Liberi, bebendo de um jarro enorme de vinho, com a duquesa nua sobre uma comprida mesa medieval, se remexendo feito um verme agonizando sobre o corpo de Massimo, sem parar. Na outra ponta da mesa, um casal de esqueletos vestindo trajes de gala, bem posicionados, pareciam contemplar aquilo. Só poderiam ser os pais assassinados da duquesa Maeve Ó Floinn.

            Mudando de posição sobre o cadáver, Maeve exibiu seus mamilos róseos, e mais da sua carne tenra e macia, executando um tipo de movimento possesso, que capturou totalmente minha atenção e enuviou meus pensamentos de moralidade e ética. Senti seus olhos em mim, como se me visse na janela, mas tenho certeza de que não me viu. Ela contemplava as estrelas e a lua, sentindo-se integra perante a deusa Vesta. Ainda intocada por homem vivo, como uma autentica virgem vestal. 

            Foi um deslumbre das trevas, que para mim ofendeu toda vida na Terra. Carregado de tamanha perversidade, que foi intolerável para alguém além de minha esposa acreditar nas minhas palavras. Isso causou a morte dela, definhando na loucura. Enquanto isso, ainda sigo nesse mundo estranho, com essas pessoas infernais.  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

TRILHOS DE TREM

LAGO DE IMUNDICES

SOLIDÃO