VIOLAÇÃO

           Apoiado em sua pá, o homem de rosto esburacado olhava o cadáver da adolescente dentro caixão recém aberto.

            - É você mesma que eu procurava. A vampira rameira que roubou meu coração.

            Encostou a tampa do caixão em uma das paredes da cova. Logo roubou a corrente de prata presa ao dedão do pé da morta. Viu que sobre o pescoço dela havia a lâmina de uma adaga, que haviam colocado ali para o caso da defunta levantar para sugar sangue dos umbigos dos recém nascidos. Também a roubou.

            - Gente tosca! - disse Andrzej, tomando um gole da sua bebida fantástica, guardada no interior do casado. A bebida desceu quente como querosene e lhe deu mais vida. - Acreditam nessas lendas e se dizem cristãos de verdade.

            Iluminou melhor o rosto do cadáver com a lanterna. Depois de tantos dias eles costumam perder as feições, como se a carne escorresse pelo rosto, e também haviam os fluídos que faziam tudo inchar. Mas a menina ainda continuava linda a seus olhos. Quantos anos teria? 13, 14? A beleza foi a principal razão para que não lhe terem posto sua cabeça entre os tornozelos. 

            Ajoelhado de maneira desajeitada, ele enfiou sua mão por debaixo do vestido dela. Sem roupas debaixo, como quase sempre, atestou. Ninguém se dá ao trabalho de enterrar uma mulher com isso. 

            Quando retirou a mão, ela estava fria e pegajosa, exalando um fartum doce, que ele considerava o bálsamo da podridão do corpo humano. Essas coisas não o incomodavam em nada. Já havia passado um bocado de trabalho para chegar até ali, se controlando por dias, até finalmente começar a desencavá-la no meio daquela noite fria. Não iria se deixar deter por nada.

            Ele abriu as pernas da morta, sem nenhum cuidado. Jogou-lhe a saia para cima do peito e dobrou seus joelhos, que nesse estágio estavam maleáveis feito massa de pão. 

            - Eu vou te dar coisa melhor do que sangue, sua vampira rameira! - disse, enfiando seu pau com força, como uma estaca na boceta da morta. Não havia nenhuma resistência, e era disso que mais gostava. 

            - Meu anjo, você sente isso? Meu pau cristão dentro de você, filha de Satã?

            Abafou a risada com a manga do casaco. Começou a sentir uma pequena movimentação, como se houvesse algo vivo dentro do cadáver. Depois de tantos dias, provavelmente era mesmo algo vivo, ele pensou. 

            Sobre o céu estrelado, o cocheiro tinha a noite toda para fazer aquilo, embora fosse sensato que estivesse de volta em casa umas duas horas antes do sol nascer. Sua parceira tinha um sono pesado, mesmo assim tinha que tomar cuidado... 

            - ANDRZEJ!

            Parada em cima da cova, enrolada em um velho cobertor, sua parceira parecia uma das estranhas estátuas de madeira mal feitas do cemitério, cheias de rachaduras e grosseiramente talhada. Vendo a mulher, ele jogou a tampa do caixão de qualquer jeito sobre o cadáver, que continuava de pernas abertas. Não tinha porque ter cuidado com as mortas, essa era a segunda coisa que mais gostava nelas. 

            - É isso que você faz nas noites que não te encontro na cama? Viola putas mortas no cemitério?

            Andrzej parecia encabulado. Não sabia o que dizer para a mulher. Seu pau havia se escondido dentro da calça. Não se sentia mal pela necrofilia, nem por ter enganado a mulher - não tinha certeza se aquilo poderia ser considerado mesmo um adultério. Se perguntava pelo que se sentia envergonhado.

            - Porco ingrato! Se não fosse por mim, você estaria em uma cova. No quinto círculo do inferno!

            - Eu não acredito no Diabo, você sabe disso! - disse o homem.

            - Se acredita em Deus, também acredita no Diabo! Eles são a mesma coisa. 

            A fala herege fez Adrzej sentir nojo e vergonha de si. Então entendeu porque estava se sentindo envergonhado. Não era por ter sido pego comendo uma defunta de 13 ou 14 anos. 

            Aquilo tudo só era um ultraje por conta dela. Sua presença em sua vida era algo que não podia mais tolerar. Se ver preso a uma pessoa que te faz sentir mal por você ser que é. Logo ele que já havia sido capitão de um grande navio de pesca. Um católico batizado, quase um erudito, tendo que aturar esse tipo de pessoa.

            - Aonde fui parar com nisso que ainda chamo de vida! Tudo por causa de você! - disse ele.

            - Você está morto, Andrzej! Não te quero mais de volta! Quero que aproveite e deite ao lado dessa mulher. De manhã homens de verdade te enterrarão.

           A resposta de Andrzej veio com um golpe certeiro, como o bote de uma serpente. A Adaga se materializou de repente aos olhos da mulher e desapareceu em seu estômago. 

            - Maldito amor, o que fez comigo? - disse ela, sentindo o aço a matando com indiferença. 

            - Isso mesmo, sua bruxa. Chega dessa papagaiada!

            A lâmina afiada surgiu banhada em sangue e fezes, e mais uma vez perfurou seu estômago. Houve um grunhido de dor, seguindo de um olhar de puro ódio.

            A mulher mergulhou dentro do buraco, caído com a cabeça encostada ao da defunta. Mesmo morta há dias, Andrzej considerou a jovem em melhor estado.

            Ele bebeu um pouco. Havia apenas mais um ou dos goles dentro da garrafa. Olhou para o céu e fez uma oração. Pensou qual seria seu próximo passo. Voltou a olhar para as mulheres. Ponderou por um segundo sobre para qual daria um gole da bebida. Uma delas havia sido uma donzela que perdeu a virgindade apenas depois de morta, a outra era uma feiticeira cigana com um pacto com o Diabo.

            Que se foda, pensou Andrzej. Querendo ou não, essa mulher me deu a vida de novo.

            Um filete de sangue escorria pela sua boca quando ele a abriu. Despejou todo o conteúdo do frasco lá dentro e a fechou. Tinha que voltar para casa logo e pegar mais. Era totalmente dependente daquilo.

            Não tirou os olhos da sua parceira morta em nenhum momento. Estava toda torta no buraco. Pensou em ajeitá-la mas desistiu. Não fazia diferença agora. 

            Aos poucos a pele da mulher foi ganhando firmeza. Eram os músculos ganhando vida mais uma vez. O sangue que corria de sua boca começou a retornar para seu lugar e seu peito começou a arfar com força. O coração havia voltado a bater, era uma sensação horrível, ele lembrava. 

            Voltando a abrir os olhos, a mulher pareceu confusa no primeiro momento, mas não demorou muito para entender tudo, fazendo de novo o olhar terrível que fez o pau de Adrzej se esconder dentro da calça.

            - Tomara que pegue uma doença e seu pau caia! - ela praguejou.

            - De nada, meu amor - Andrzej respondeu, estendendo a mão para a mulher.

            - Temos que voltar para casa. Por que já não está enterrando ela? O que está esperando?

            Andrzej fechou os olhos e fez um bico molhado e apertado como cu de gato.

            A mulher se enrubesceu. Mesmo ainda estando noite ele pode perceber. Ela se virou e tomou seu rumo para a casa.

            Enquanto devolvia a terra ao buraco, Adrzej se perguntava se não havia feito a escolha errada. Teve certeza que sim, mas não lamentou. Afinal de contas, era um homem morto.


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