ESTRANHO

            Meu senso moral, criatividade, espontaneidade e capacidade de resolver problemas estão de acordo com o que para mim é realização pessoal. Não tenho preconceitos e aceito os fatos.

             Enfim encontro uma moeda no estacionamento.

            Bebo um cafezinho na entrada. Compro um bolinho inglês e como na frente da locadora. A porta automática abre e entro para ler textos nas capas. O balconista me vê agachado, segurando um clássico de F.W. Murnau. Ele me dá dinheiro para entrar no seu carro.

            Quando saio a casa continua fechada. Já fazem dois dias. Pulo o muro e tenho acesso a área de serviço. Aproveito e separo as roupas na máquina de lavar.

            Reconheço um barguenõ na sala. Numa gaveta há um relógio de bolso com uma corrente de aço. Tem comida na dispensa e roupas muito bonitas no quarto. Me deito num sofá em veludo cotelê e pego no sono.

            Um rosto colossal me observa quando acordo, depois do vermute. Pensei que não fosse voltar, parece que diz com os olhos. Sou um gato que entra pela basculante. Ele conta que foi ao médico por causa de acúmulo de líquido na bolsa escrotal. Sintoma da filariose linfática.

            Alugo Nosferatu sem cadastro. Uso a mesma nota que o balconista me deu no outro dia. Ele fica enrubescido quando dá o troco e pergunto se já assistiu aquele filme. De maneira escrachada não olha nos meus olhos. Não dou bola.

            Aquela voz às vezes é incompreensível. 

            Ele aperta o botão para que eu entre. Deixo o filme do lado de dentro e saio, mas volto arrependido antes que a porta feche. Descubro que além da doença física atrapalhar sua fala, ele é natural de Oldenburgo e tem sotaque alemão. Acho que seu nome é Petrus.

            Petrus me serve vermute pensando que me apetece beber mais àquela hora. Vamos até o quarto onde há uma tevê pequena. Sentamos um de cada lado da cama e me esqueço da bebida. Petrus não fala durante o filme, com exceção do começo, quando supõe que usaram um tigre-da-tasmânia na cena do lobisomem. 

            Num momento me sinto mal percebendo todas as janelas fechadas. Mas depois melhoro, porque parece que Petrus está gostando do filme. Quando vou beber, ele interfere com um grunhido. Parece que cita uma frase do filme.

            A campainha toca e Petrus desaparece com a bebida. Espio pela cortina de malha que esconde o corredor da sala. Há dois homens na porta que entraram e discutem com Petrus. Parece que Petrus pede que aguardem. Quando me encontra atrás da cortina, me manda fugir por onde entrei naquele dia.

            Observo do outro lado da rua e cuido as horas no relógio. Nunca vejo eles saírem. Olho quem passa e penso em dizer à polícia que fazem um deficiente de refém. Depois fico sabendo que não terminou bem para Petrus. Talvez até houvesse cetamina no meu copo.

            Digo que não vou devolver o filme e o balconista pede para eu não voltar. Atravesso o estacionamento olhando para o chão e continuo caminhando até terminar aqui.

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